23 January 2007

Volta ao mundo em sete dias

Kafka me espera na mesa de cabeceira. E sabe-se lá porque me meti com este cara tão metódico, tão bem pensado. Logo eu. Logo agora. Gostava tanto da história de acordar uma barata, sem dar muitas explicações ou pedir para que alguém acreditasse. O sujeito virava barata e ponto. Agora, neste outro livro, um outro sujeito é acordado com a notícia de que responde a um processo, mas ninguém também explica o porquê (Até a página 127).

Toca jazz no meu quarto pequeno e lilás. Um CD que ganhei ontem, quando minha volta ao mundo (meu) completou sete dias. A música do imprevisível, das partes que se encontram quase por acaso. Larguei Kafka de lado, e os jornais de ontem.

Terça-feira passada, estava descalça no show do Nelson Sargento. Me disseram que, no tempo do Cartola, ele era o segundo homem da Mangueira. Hoje mora em Copacabana. Gosto de Cartola, da Mangueira e de Copacabana. Acho que gosto de Nelson também, minha primeira parada na volta ao mundo. No dia seguinte, bebi cerveja de garrafa, debaixo de chuva, num bar perto do Rival BR. Na quinta, escrevi minha segunda coluna para o DR. Na sexta, resolvi burocracias e fui à Feira dos Nordestinos. Cachaça com cravo e canela. Cheiro de cravo e canela, cenário de Céu de Suely, ainda danço forró terrivelmente mal.

Sábado: sete horas na Praia de Ipanema, seis mergulhos, um milho cozido, vinte e sete páginas de jornal cheias de areia. Sábado ainda: sorriso do Chico Buarque de Holanda no palco do Canecão, “mil perdões”. Lembrei da Carla (as duas). “No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido”. Aniversário do Mitchellângelo num porão-estúdio, com rocks legais que nunca vou saber a letra. Mas balanço a cabeça e Sergio me ensina a dar uns pulinhos hypes. Como e durmo e acordo e durmo no domingo. Porque na segunda, “enquanto corria a barca”, eu chego a um lugar que nunca quis deixar. E vejo o Rio, de Niterói; me vejo, então, Nele.

Acordei na terça-feira, não era barata nem estava sendo processada por crime grave que desconhecia. Tampouco partia mais para Nova York. Que Woody Allen então me aguarde. Ou venha até aqui.

15 January 2007

Vai um pedaço de Pessoa aí?

215. Livro do Desassossego, Fernando Pessoa:

"Tenho as opiniões mais desencontradas, as crenças mais diversas. É que nunca penso, nem falo, nem ajo... Pensa, fala, age por mim sempre um sonho qualquer meu, em que me encarno de momento. Vou a falar e falo eu-outro. De meu, só sinto uma incapacidade enorme, um vácuo imenso, uma incompetência ante tudo quanto é vida. Não sei os gestos a acto nenhum real. Nunca aprendi a existir. Tudo que quero, consigo; logo que seja dentro de mim. O que antes era moral, é estético hoje para nós... O que era social, é hoje individual. Para quê olhar os crepúsculos se tenho em mim milhares de crepúsculos diversos - alguns do quais que não o são - e se, além de os olhar dentro de mim, eu própio os sou, por dentro?"