20 March 2013

Sobre a Insustentável Leveza do Ser

Sabina seria a identificação mais fácil. Ela tem espírito livre, senso estético, capacidade de abstração, independência... Ela é um conceito, enquanto Tereza seria um fato. Como um conceito, é difícil de compreender e é mais difícil ainda de reter. É muito claro o que Tereza precisa e quer: proteção, segurança, continuidade, confirmação. Tereza precisa que, todos os dias, o outro lhe confirme o que ela é e o que eles são juntos (eis o sentido da dependência). O pior pesadelo de Sabina é a aniquilação de si mesma pelo peso do outro. Em seu agudo senso estético, nada existiria de pior (para a arte, para a vida) do que a obrigação de preencher expectativas. Como Sabina é artista, imagino que sua questão central seja a busca da beleza. Tomasz-Tereza e Franz-Marie Claude careciam por completo de beleza. É disso que ela fugia e fugiria sempre. Poderia enxergar a beleza em seus momentos com Tomasz no ateliê, diante do espelho com seu chapéu-coco, ou nas viagens com Franz pelas cidades europeias – mas, devolvida às circunstâncias reais, não poderia suportar a feiúria das convenções (e de toda a mentira que sustenta as convenções; a mentira é uma tentativa de fraude à beleza). Sabemos que a liberdade não traz nada além dela mesma. Liberdade é apenas a capacidade extrema de abrir mão de tudo. Para isso, Sabina precisou atravessar uma série consecutiva de autoviolências (que ela chama de traições). Antes da leveza da liberdade, é preciso suportar o peso de cada traição. Gosto de várias características de Sabina. A busca da beleza, por exemplo. Mas, ao contrário dela, sou translúcida e avessa às autoviolências. Vivemos outros tempos. Os demais personagens são ainda mais distantes de mim. Bjs!

19 April 2012

Perfeição

"Estou cansado, é claro, Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado. De que estou cansado, não sei: De nada me serviria sabê-lo, Pois o cansaço fica na mesma. A ferida dói como dói E não em função da causa que a produziu. Sim, estou cansado, E um pouco sorridente De o cansaço ser só isto — Uma vontade de sono no corpo, Um desejo de não pensar na alma, E por cima de tudo uma transparência lúcida Do entendimento retrospectivo... E a luxúria única de não ter já esperanças? Sou inteligente; eis tudo. Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto, E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá, Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa." [F.Pessoa]

21 December 2011

Carta (moderna) para uma amiga (antiga)

(...)

Em relação a isso, eu concordo, porque sou muito parecida com você. Mas vamos pensar grande de novo: o importante é que temos consciência disso, que refletimos muito, que buscamos nos conhecer cada vez mais, que não fugimos da batalha interior... Pena eu tenho de quem passa a vida inteira na completa escuridão de si mesmo, de quem se acha perfeito, de quem não tem complexidade, de quem não sabe sofrer e tirar do sofrimento um motivo para se tornar um ser humano melhor.

Há algum tempo, concluí que as pessoas são definidas não pelas respostas que encontram, mas pelas perguntas que fazem. Provavelmente, nós nunca encontraremos conclusões duradouras sobre nada (por isso, disse no email anterior que estamos sempre começando). Na verdade, nosso valor está no alto nível das perguntas que fazemos sobre a vida e sobre nós mesmos. Por todos esses questionamentos, podemos até ser um pouco confusas... Mas nunca, nunca, nunca seremos pessoas banais!

Tem uma outra frase da peça que me tocou muito (e me veio à cabeça quando terminei de ler seu email). Era sobre um personagem de uma parábola que estava diante da encruzilhada entre o bom e o justo (nem sempre o bom é o justo e vice-versa). O que marcava esse personagem é que ele sempre mantinha um alto nível de tensão interior - mesmo quando precisava executar uma ação contrária à sua verdadeira vontade.

Provavelmente, ainda viveremos várias situações contrárias à nossa vontade. Mas não deixemos de fazer perguntas difíceis nem de manter esse alto nível de tensão interior. É a forma de não se entregar.

Casa vazia

Sinto que o blogspot está me expulsando. Tirou até os quadros das paredes (no lugar das fotos, apenas um X). Colocou tudo num caminhão de mudança. E apagou a luz. Toda vez que entro aqui, é como se vagasse por uma casa vazia, mas cheia de memórias.

17 October 2011

Inversão da lógica

Toda a ideologia capitalista está baseada numa simples proposição que permeia nossas vidas ocidentais:

TUDO É POSSÍVEL.

Mas a fórmula honesta de superação da impossibilidade ideológica seria, na verdade: O impossível acontece.

Isso me explicou Zizek, citando Zupancic, que por sua vez mencionou Lacan.

Nesta fórmula, não existe qualquer promessa, qualquer garantia, qualquer truque. Pode acontecer, mas não quer dizer que acontecerá. Quando acontece, empresta um tom mágico às nossas existências.

(Um bom exemplo disso foi contado por um professor - o melhor que tive contou. A última frase dita por Lênin antes de embarcar no trem rumo a Moscou foi: A revolução não é possível. Quando ele desembarcou, foi justamente o impossível que aconteceu)

Dor, experiência filosófica

O que dizer para um amingo triste num domingo chuvoso.

Eu não entendo nada de música, mas por algum motivo o Johnny Cash é um dos meus artistas preferidos. Às vezes, estou no longo caminho para o trabalho, completamente de saco cheio, e coloco "Boy Named Sue" para tocar. Fico rindo sozinha no metrô. Nos domingos chuvosos, eu vejo o clipe de "Hurt", que me dá um grande aperto no coração, porque consigo sentir a verdade e a intensidade do Cash cantando. Talvez seja por isso que gosto dele: a mistura de sofrimento, intensidade e humor.

É preciso de um pouco de sofrimento e de uma pitada de angústia para se tornar mais humano, mais complexo, mais amplo. As pessoas que mais me interessam têm algum nó no peito. Mas não é o sofrimento em si que engrandece. É o que fazemos com ele, é como o desafiamos, como o utilizamos para olhar o mundo de forma menos passiva e superficial. O sofrimento é o que nos dá densidade. Ele é arrasador, mas também extremamente criativo pois exige que encontremos novos caminhos. A dor é filosoficamente uma experiência interessante.

28 February 2011

Silêncio

E cada vez mais, não escrevo. Transcrevo:

"Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso."

Clarice L.

25 January 2011

Pelo sonho é que vamos

"Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos".