21 April 2008

Post-Scriptum sobre a Bolívia

A Bolívia me impressionou pelo seu potencial revolucionário (a sensação latente que a insurgência está por um fio de se realizar) e, paradoxalmente, pela crônica falta de solidariedade do povo. Não era raro perceber situações em que um boliviano tentava passar a perna nos demais, como por exemplo aumentando drasticamente o preço combinado da passagem quando o veículo estava na metade de sua rota. Quando se tratava de estrangeiros, a situação apenas piorava. Todo banheiro público era pago: mesmo que existisse uma placa dizendo "Gratuito", haveria de existir também duas ou três criancinhas cobrando o uso de latrinas pavorosas. Num pueblo, uma argentina pediu um copo de água da torneira para ferver e usar no seu chimarrão. A dona do restaurante quis cobrá-la um ou dois bolivianos. A argentina protestou, alegando que em seu país a água era dada como cortesia. O que surpreende é que, sendo um boliviano morto de sede, a cobrança se daria da mesma forma. Um ônibus cheio de crianças e velhos quebrou, pela quinta vez, no meio de uma estrada lamacenta. Um caminhão parou em seguida e os passageiros trataram de subir na caçamba precária. O caminhoneiro cobrou três bolivianos por pessoa, incluindo crianças famintas e sujas. A brutalização dos seres humanos na Bolívia é um processo de vários séculos. A pergunta que me resta é: alguma Revolução se sustenta sem qualquer noção de solidariedade? Eles lutam entre si pela lavagem dos porcos, usando muitas vezes artifícios dos mais baixos. Mudar apenas a ordem econômica resolve uma herança cultural tão famigerada, medonha, triste? Motoristas de táxi e pessoas comuns costumavam carregar debaixo do braço para todo canto rolos de papel higiênico (prova de que ninguém estaria disposto a oferecer artigo algum que não fosse pago). Argentinos, chilenos, uruguaios e brasileiros chocavam-se com tamanhas demonstrações de mesquinhez, como se seus próprios países não fossem também mesquinhos: o fato assombroso é que a experiência boliviana faz o Brasil, a Argentina e o Chile parecerem generosos. E nada soa mais estranho do que isso.

Essas são questões pendentes para mim.

2 comments:

Anonymous said...

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Diogo B.F. said...

por outro lado, uma senhora me deu comida em Santa Cruz, me mostrou a cidade e as filhas dela, me ajudou sem cobrar nada. Essa mesquinhez vale pro Peru? Porque la, num bairro pobre, um sapateiro e seu amiguinho me deram paes, macas, uma janta e uma plantinha. Pode ter sido estranho da minha parte, mas de qualquer forma eu nunca vou esquecer, foi a acao de solidariedade mais impressionante e forte da minha vida, e nao estou nem perto de retribuir para o mundo aquela forca. Pra mim ficou uma imagem de sugar o maximo dos desconhecidos, mas ao minimo apego, firmar o maior possivel laco de solidariedade. Tb me deram carona de bicicleta no Peru, mas vc ta falando da bolivia... hum... so me roubaram uma camera velha la, hehe... sei la... nao senti mais mesquinhes do que em outros lugares quaisquer, so mais pobreza.