25 July 2008

Em busca da finalidade perdida

Catarina saiu pelas ruas com seu vestido florido, atravessando vendavais de esquina, tempestades de quarteirão, praças desertas e becos lotados. Marchou, furiosamente, por uma hora e quarenta e três minutos até se lembrar o motivo pelo qual havia saído. E percebeu, pela primeira vez, que não poderia mais voltar.

Então, caminhou por mais uma hora, até estar bastante distante, e concluiu que deveria abandonar a cidade. Diante dos muros baixos de uma casa cor de tijolo, decidiu que teria 15 dias para cruzar a fronteira. 'Um dia para me despedir de cada ano que vivi aqui'. Tratou de excluir os três primeiros anos, que sua memória não alcançava, e alguns outros que julgava terem sido desprezíveis.

Havia superado Almodóvar, Bertolucci ainda não, os beatniks, a vodka, as solas dos pés com cacos de vidro, a disposição aos acasos, as festas que podem desabar, os jornais, sobretudo os jornais e as revistas, os refrigerantes nojentos, eca!, os papos de drogado acomodado, os planos eternos (ou eternamente irrealizáveis), a histeria de 'não amar, não amar, não amar...' (Ó, que sofrimento!). No auge de uma corrida desatinada, percebeu que alguém deveria ter mexido naquela faixa amarela com a inscrição "Fim". Tentou pedir informação: Onde vai, onde vamos? Mas, acredite você, todos estavam se debatendo sozinhos como aquelas moléculas acaloradas das aulas de química. Que cena estranha. "Alguém está bagunçando com a gente, pessoal!", ela gritou. Não era para ser assim. "Desliga o maçarico, está todo mundo ficando doido".

Pelo menos, a epifania teve trilha sonora do Beethoven e luz celestial. Mentira. Foi assim: ela ficou puta da vida e leu na placa cinza Bem-vindo ao deserto do real.

E Catarina é uma radicalzinha. "Sou meeeesmo", ela repete sozinha ao ouvir a narrativa em off de sua própria vida. Disse para o diretor: "Corta tudo. Pode cortar tudo. Corta álcool, corta crise, corta esse bando de figurante, corta o espetáculo adolescente-burguês. Isso é palhaçada, ouviu?". Então, o diretor, um tipo introvertido e pacífico, cortou. Ainda se ouviu, vindo do fundo, um princípio de vaia. Mas o fundo nunca importa. Catarina representa só para a primeira fileira.

1 comment:

Diogo B.F. said...

nata da literatura brasileira, hehe, escreve um livro.