Começo da noite, temperatura baixa, chovia até dentro do metrô. Num ato reflexo (que se repete com certa freqüência), fiz sinal para a composição parar. Pensava o óbvio ululante do potencial cenográfico da comprida Estação da Cinelândia, lugar ótimo para correrias asmáticas, divagações sentimentais, cenas de despedida nas janelas e de encontros com mulheres pedestálticas.
Mentira. Estava com fome e pensava em comer um pastel chinês no Largo do Machado. A história está dentro do vagão. A ficção, assim como a introdução do texto, é mentira, porque a realidade é composta de inconvenientes entediantes. Vagão vazio, com algumas poucas cadeiras disponíveis. Prefiro recostar em pé, ao lado da porta. Por coincidência, em cima de uma pintura no chão, destinando o espaço para deficientes. Não demora o fechar das portas para um senhor me repreender por ocupar o espaço. Respondo que o vagão está vazio. Ele pergunta se eu sou deficiente. "Tenho três testículos" (me imaginei dizendo com um ar blasé). Não disse isso. Só fui sentar longe dali.
No metrô do Rio só te importunam. No de São Paulo, já ouvi histórias de um cara que, na ida para o trabalho, tem o costume de escovar os dentes no vagão. Cospe nos intervalos, quando as portas abrem. Já vi não apenas um cara praticando air guitar, como toda sua banda surda, sem constrangimentos. Um verdadeiro mercado negro funciona em cima dos trilhos. No de lá, fizeram até filme. Nunca vi uma nórdica com casaco de esquimó como aquela sentada em nosso banco bege, na vinheta do Festival do Rio. O metrô daqui é chato pra caralho.
* Como o título já diz, o textículo me foi dado de presente. O autor é Sergio Duran.
03 October 2006
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