30 May 2007

Dúvida: Brecht é manézão?

QUEM DEVERIA ESTAR TRABALHANDO 1: Brecht não combina com você. Na verdade, gosto do que ele escreveu, embora não acredite em uma palavra. Dizia-se comunista, mas fez de tudo para não viver na Alemanha Ocidental, alegando que queria se manter 'indepentende'. Tentou asilo político na Suíça. Que grande revolucionário pediria pra viver na Suíça?! É conhecido como desertor e contador de vantagens em rodas regadas a uísque em Nova York.

Blergh. Manézão.

Gostava muito de 'Aos que vierem depois de nós'(conhece?). Mas me soa falso hoje em dia.

QUEM DEVERIA ESTAR TRABALHANDO 2: Vamos parar de condenar as pessoas. Marx tinha dinheiro e abusava de sua empregada doméstica. É manézão por isso? Não li, mas o vejo sendo citado de formas bacanas. Ele também gostava do lado bom americano, tipo cinema, gângsters, jazz, boxe, isso na época em que o país era mais charmoso e não infestado de gordos. Li isso no Lobo da Estepe.

29 May 2007

O que sobrou?

A arte é um esquivar-se a agir, ou a viver. A arte é a expressão intelectual da emoção, distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte. Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida à acção, a acção, a que se reduziu, não a satisfaz; com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se forma a obra de arte. Assim, há dois tipos de artista: o que exprime o que não tem e o que exprime o que sobrou do que teve.

Livro do Desassossego, Fernando Pessoa, minha leitura intermitente.

13 May 2007

Jogar búzios para a reportagem

No Itaim, idosa colecionava lixo em casa

Espanhola de 80 anos diz ter recolhido todo tipo de entulho durante 18 anos e guardado; ela e o filho foram detidos

Após 16h de trabalhos, prefeitura retirou mais de 20 caminhões de resíduos; por falta de espaço, dona dormia num Fiat 147

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL - FOLHA

Um gari equipado com máscara antigases sai da casa da espanhola Maria Violeta Rodriguez, 80, dizendo que é impossível ficar muito tempo lá dentro. Violeta ficou 18 anos. Esse é o tempo que ela teria gasto para acumular mais de 20 caminhões de lixo: os garis só conseguiram chegar à sala-de-estar depois de cerca de oito horas de limpeza, segundo a Vigilância Sanitária.

"A princípio, tínhamos uma fresta de apenas 20 cm de largura para entrar na casa", explica Maria Alice Ferreira, chefe da unidade de varrição pública. Segundo a vizinhança, Violeta costumava sair de casa à noite, sempre por volta das 22h, para explorar as latas de lixo do bairro, o Itaim Bibi, na Zona Oeste. Voltava com restos de comida, garrafas vazias, quadros sem molduras, panos velhos e até pólvora; o produto da coleta era entulhado pelos cômodos da casa.

Por falta de espaço, Violeta dormia em um Fiat 147 verde-metálico, ano 1980, de propriedade do filho. Os vizinhos já haviam reclamado do forte odor para a Vigilância Sanitária, mas, dizem, nunca se tomou nenhuma providência. "Cansamos de denunciar, mas ninguém fazia nada. Há uns 15 anos convivemos com esse mau cheiro", afirma a doceira Iolanda Machado Leite, que mora ao lado.

No domingo, depois de cinco dias sem ver Violeta e temendo que ela estivesse morta, uma moradora deu queixa à polícia. "Eu não delatei ninguém", nega a taróloga Celene Wali, propondo jogar búzios para a reportagem. "Foi ela sim!", afirmam alguns vizinhos.

A delegada Maria Aparecida Resende Corsato, do 15º DP, diz que a invasão da casa é legítima, já que o odor no local punha em risco a saúde da comunidade. "O interesse privado não pode estar acima do público", afirma Aparecida, que recomendou aos repórteres jogar os sapatos fora, para evitar contaminação, e declarou que iria às lojas Marisa comprar "um moletom baratinho para vestir".

Quando a polícia entrou no local, Violeta estava na casa do filho, no Guarujá. Ela soube da invasão por uma neta que ouviu a notícia no rádio. Como a senhora se sentiu?
"Não estou entendendo nada, imagina. Isso é crime, vou processar", repete, indignada, Violeta, que foi detida junto com o filho, o mecânico Juan Maurício Salgado, 40, dono das cinco carcaças de motos encontradas no local.

"Eu ia fazer uma arrumação esta semana e jogar fora o que não prestasse", garante Violeta. Muito nervoso, caminhando de um lado para o outro, Salgado se descontrola tentando justificar o entulho. "Mamãe é assim, não tem o que dizer. O que vocês querem que eu faça?" Violeta, que guardava em casa ainda as escrituras de 16 imóveis, afirma que vasculhava o lixo porque às vezes não tinha dinheiro para comer.
"O IPTU está caríssimo", queixa-se ela, que guardava também cerca de 25 mil pesetas, moeda espanhola fora de circulação.

Segundo a delegada, Violeta e o filho já têm passagem pela polícia por pequenos furtos. Eles serão indiciados por crime contra a saúde pública, exposição da vida alheia a perigo iminente e posse de artefato explosivo."Pensando bem, a senhora vai ser presa!", resolve a delegada, depois de folhear o código penal e descobrir que guardar explosivos em casa dá cadeia. Violeta examina Aparecida com expressão de pouco caso e bufa. "Mierda!"

"Mamãe nem sabe o que é isso [pólvora]. Ela catava qualquer coisa", diz Salgado. A delegada acaba voltando atrás. A senhora não tinha medo de dormir com ratos (que, de acordo com a varrição, tinham tamanho de gatos)?

"Não tenho medo de nada". E de ser presa?

"O quê!?"

***

É uma matéria de meados do ano passado. Lembrei por acaso durante este plantão de domingo. E isso me animou! Jogar búzios para a reportagem seria ótemo agora.

Coisas não-jornalísticas

Fim de fase. Números numa agenda de telefone experiente com medo do futuro, caráter dos compadres, mesas de bar distintas, culpados descrevendo guerras, o cativeiro e a janela estilhaçada, mais conhecidos, mais conhecidos, mais conhecidos, sempre soube que nublava quando alguém bom morria lá, maré, ito, negativos que magoam, a preocupação com uma, chaves para aqueles papéis, secretários, loucos, hipócritas, os que não fazem parte disso, cobrança dos inseguros, sono, baleados na bunda, boca pequena, nomes, o pulmão ardendo acima do mar de biles, medo de errar com tantos, falhas e ambições dos ordiários, realização, incompetência, coquetéis, chamadas mesquinhas, exageros, novo covil ou um castelo, quanto mais eu conheço as pessoas, mais eu gosto do meu cachorro.


Do meu companheiro Cigarro, quando eu sou o Café. Plantão de domingo dá um sooooooono... Sorte que Duran escreve coisas não-jornalísticas.

05 May 2007

A Idade da Razão

"Ando. Vou-me embora, passeio, erro, erro à vontade: férias de universitário, por onde ando levo a concha comigo, fico em casa, no meu quarto, entre meus livros, não me aproximo um centímetro sequer de Marrakech ou de Tombuctu. Mesmo se eu tomasse o trem e chegasse de repente em Marrakech ainda estaria no meu quarto, ainda estaria em casa. Se fosse passear nas praças, se abraçasse um árabe para através dele tocar em Marrakech, ele estaria em Marrakech, eu não. Eu estaria sempre sentado no meu quarto, tranqüilo e pensativo como escolhi ser, a três mil quilômetros do marroquino e de seu turbante. Em meu quarto. Para sempre."

(A Idade da Razão, Pg. 227, Jean-Paul Sartre)

P.S. Vanguarda é escrever em 1945 realidades e devaneios que são de 2007.