13 May 2007

Jogar búzios para a reportagem

No Itaim, idosa colecionava lixo em casa

Espanhola de 80 anos diz ter recolhido todo tipo de entulho durante 18 anos e guardado; ela e o filho foram detidos

Após 16h de trabalhos, prefeitura retirou mais de 20 caminhões de resíduos; por falta de espaço, dona dormia num Fiat 147

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL - FOLHA

Um gari equipado com máscara antigases sai da casa da espanhola Maria Violeta Rodriguez, 80, dizendo que é impossível ficar muito tempo lá dentro. Violeta ficou 18 anos. Esse é o tempo que ela teria gasto para acumular mais de 20 caminhões de lixo: os garis só conseguiram chegar à sala-de-estar depois de cerca de oito horas de limpeza, segundo a Vigilância Sanitária.

"A princípio, tínhamos uma fresta de apenas 20 cm de largura para entrar na casa", explica Maria Alice Ferreira, chefe da unidade de varrição pública. Segundo a vizinhança, Violeta costumava sair de casa à noite, sempre por volta das 22h, para explorar as latas de lixo do bairro, o Itaim Bibi, na Zona Oeste. Voltava com restos de comida, garrafas vazias, quadros sem molduras, panos velhos e até pólvora; o produto da coleta era entulhado pelos cômodos da casa.

Por falta de espaço, Violeta dormia em um Fiat 147 verde-metálico, ano 1980, de propriedade do filho. Os vizinhos já haviam reclamado do forte odor para a Vigilância Sanitária, mas, dizem, nunca se tomou nenhuma providência. "Cansamos de denunciar, mas ninguém fazia nada. Há uns 15 anos convivemos com esse mau cheiro", afirma a doceira Iolanda Machado Leite, que mora ao lado.

No domingo, depois de cinco dias sem ver Violeta e temendo que ela estivesse morta, uma moradora deu queixa à polícia. "Eu não delatei ninguém", nega a taróloga Celene Wali, propondo jogar búzios para a reportagem. "Foi ela sim!", afirmam alguns vizinhos.

A delegada Maria Aparecida Resende Corsato, do 15º DP, diz que a invasão da casa é legítima, já que o odor no local punha em risco a saúde da comunidade. "O interesse privado não pode estar acima do público", afirma Aparecida, que recomendou aos repórteres jogar os sapatos fora, para evitar contaminação, e declarou que iria às lojas Marisa comprar "um moletom baratinho para vestir".

Quando a polícia entrou no local, Violeta estava na casa do filho, no Guarujá. Ela soube da invasão por uma neta que ouviu a notícia no rádio. Como a senhora se sentiu?
"Não estou entendendo nada, imagina. Isso é crime, vou processar", repete, indignada, Violeta, que foi detida junto com o filho, o mecânico Juan Maurício Salgado, 40, dono das cinco carcaças de motos encontradas no local.

"Eu ia fazer uma arrumação esta semana e jogar fora o que não prestasse", garante Violeta. Muito nervoso, caminhando de um lado para o outro, Salgado se descontrola tentando justificar o entulho. "Mamãe é assim, não tem o que dizer. O que vocês querem que eu faça?" Violeta, que guardava em casa ainda as escrituras de 16 imóveis, afirma que vasculhava o lixo porque às vezes não tinha dinheiro para comer.
"O IPTU está caríssimo", queixa-se ela, que guardava também cerca de 25 mil pesetas, moeda espanhola fora de circulação.

Segundo a delegada, Violeta e o filho já têm passagem pela polícia por pequenos furtos. Eles serão indiciados por crime contra a saúde pública, exposição da vida alheia a perigo iminente e posse de artefato explosivo."Pensando bem, a senhora vai ser presa!", resolve a delegada, depois de folhear o código penal e descobrir que guardar explosivos em casa dá cadeia. Violeta examina Aparecida com expressão de pouco caso e bufa. "Mierda!"

"Mamãe nem sabe o que é isso [pólvora]. Ela catava qualquer coisa", diz Salgado. A delegada acaba voltando atrás. A senhora não tinha medo de dormir com ratos (que, de acordo com a varrição, tinham tamanho de gatos)?

"Não tenho medo de nada". E de ser presa?

"O quê!?"

***

É uma matéria de meados do ano passado. Lembrei por acaso durante este plantão de domingo. E isso me animou! Jogar búzios para a reportagem seria ótemo agora.

1 comment:

Diogo B.F. said...

hahahhaha... que doideira!