Vinte e quatro horas atrás, acordei pensando que estava com fome. Dormia no antigo quarto do meu irmão, que tem fama de assombrado, porque Carol estava no meu. Fui até a cozinha, minha mãe fazia frango. Confirmei a suspeita de que estava com fome pela estranha alegria em ver o frango.
Durante o almoço, lembro de ter pensado que ando comendo rápido demais. Costumo esperar imóvel todas as pessoas terminarem de mastigar. Fico inquieta pelo café. 'Posso pedir o café?': nunca pergunto, soaria grosseiro. Então, no domingo, foi assim também. E ao finalmente beber café, pensei como sempre que deveria diminuir as doses... Os dentes ficarão amarelos, o estômago esburacado, o sono agitado, a camisa manchada etc. Logo em seguida, entendi que o café é uma compensação para uma vida sem vícios. Eu poderia estar fumando, estar roendo rodapés, estar ouvindo Beyoncé. Só um golinho de café. Só.
Estranhamente, não tive vontade de ler o jornal. Quando isso acontece, passo a cantarolar internamente 'O sol nas bancas de revista, me enchem de alegria e preguiça, quem lê tanta notícia? Eu vooooou'. Por um segundo, penso em minha vida se não fosse jornalista, se não estivesse fadada a ler notícias para sempre. Eu poderia então ser um pouco Cateano? Falar arrastado? Reparar no sol nas bancas de revista? Sim, eu poderia. No melhor dos sonhos.
Não tinha pressa. Se o mundo estivesse acabando, minha mãe avisaria. Pensei nisso e abri mão de ler a manchete. Nem a manchete, viu? Ela me ligou outro dia quando estava de plantão no hospital. Eram 11 da noite. Parecia uma chamada urgente. Contou, apressada, que um cara de 25 anos tinha morrido engasgado com um naco de carne. 'Mãe, o que você quer que eu faça?' Ela resmungou que era 'apenas um desabafo'.
Logo após o almoço, voltei a dormir. Muito frio. Dois cobertores e dois edredons. Eu tenho três pares de meia que revezo para jogar vôlei. Muito frio nos pés. Pensei que deveria comprar um daqueles pacotões de meia em uma loja popular. Apaguei em segundos.
Quando acordei, me perguntei automaticamente se já era noite. O céu estava nublado e não pude descobrir entre as frestas de persiana do antigo quarto assombrado do meu irmão. Ainda estava nele. Às vezes escolho dormir em outras partes da casa. Dá a sensação de viagem, porque você acorda sem saber direito onde está.
Fui até a cozinha, me preocupei em saber se o café na garrafa térmica era novo ou velho. Minha mãe gritou que era novo, mas ela sempre mente neste assunto. Eu bebi e não me pareceu de todo mal.
Chequei quinhentas vezes minhas diversas contas de e-mail e do orkut. Abri os sites dos jornais, mas fechei sem olhar. O sol quando bate nos sites dos jornais me enche de alegria e preguiça. Eu voooou. No MSN, surgiram uma e outra janelas com assuntos interessantes. Mas é chato escrever em um teclado emperrado e ter tudo mais emperrado na internet. Tipo as relações.
Foi quando minha mãe me chamou na sala para ver uma entrevista do Wagner Moura, constantemente interrompida por aquela bola que usa cinto apertado. O Faustão. Eu e minha mãe desejamos ao mesmo tempo e em voz alta que o Wagner Moura fizesse um monólogo, em close, naquele momento. Depois ela me ofereceu R$ 50 para gravar e editar a entrevista, excluindo todos os trechos em que o Faustão tecia comentários. Eu estava precisando dos R$ 50, mas preferi evitar a fadiga.
Depois de um tempo, resolvi catar tudo que estava fora do lugar no meu quarto. Descobri que a edição de junho da 'Revista de História' do Sergio estava entre meus papéis. Me senti feliz por ter furtado o exemplar sem intenção e, portanto, sem culpa. Agora sim poderei saber tudo sobre o 'desaparecimento do explorador inglês P.H. Fawcett no Xingu'. Sergio me convenceu de que isso era realmente importante e de que Fawcett era o Indiana Jones brasileiro. Ele gosta de traçar paralelos com ícones pops nas suas explicações.
Mas não li a revista. A esta altura, vocês sabem: me enche de alegria e preguiça. Li, despreocupadamente, alguns editais de mestrado e pensei em estudar... Estudar mesmo, estudar muito, estudar a base de café, estudar até saber. Minha mãe me chamou de novo. Ela me chama muito mesmo. 'Vem ver Carandiru'. Lembrei que li recentemente na Folha uma história sobre uma entusiasta do massacre que protestou contra a peça Salmo 91, em São Paulo.
Desde este dia, e especialmente quando reassisti ao filme, pensei em como alguém defenderia o massacre de 111 pessoas em um edifício fechado. Realmente... Sei lá. Ao longo da madrugada, sonhei que estava presa, que havia uma rebelião, que tentava identificar pessoas confiáveis no meio do tumulto. O presídio tinha janelas de vidro. Policiais gritavam comigo.
Na manhã seguinte, antes de sair, coloquei o jornal de domingo (intacto) em uma sacola plástica. 'Síndrome da informação', o Thiago me esclareceu quando cheguei na redação. Ele está juntando jornais há 25 dias. Em um quadro de desenvolvimento da doença, está pior do que eu.
Sergio passou o fim de semana em um festival de blues em Búzios e me perguntou o que eu havia feito no domingo. Respondi que 'nada', mal humorada, após ter enchido seus ouvidos com reclamações. Melhor teria sido dizer 'isso tudo'.
30 July 2007
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1 comment:
foi sequestro. quero a revista de volta. hunf.
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