30 September 2006

O despertar do nerd interior

O episódio de hoje foi inspirado na série de filmes "Os nerds também amam", que, diga-se de passagem, sempre adorei assistir na sessão da tarde.

A poucos meses da formatura, do momento em que enfim terei alta do hospício, me vejo às voltas novamente com Foucault, Bakthin, Althusser, Pêcheux. Não acho de todo o mal e até sinto aquele prazer solitário típico dos nerds. Mas poderia apresentar qualquer coisa à banca que avaliará minha monografia. Rolos de papel higiênico e reprovações acadêmicas são artigos raros na ECO. Foi quando, então, deu-se o retorno da minha nerdice adormecida nos quatro últimos anos . Talvez seja o terceiro fim de semana seguido que passo em casa, refletindo sobre lingüística crítica, aparelhos ideológicos, formações discursivas e afins. Um complexo de culpa tardio ou simplesmente o sintoma da impotência de não ter mudado nada na estrutura da Escola ou de ter mudado menos do que poderia em mim mesma.

Já tive planos mirabolantes que envolvem golpes de poder na diretoria, expulsão dos professores medíocres, reavaliação dos conteúdos acadêmicos e palavras de ordem revolucionária (sic). Não fiz nada disso e ainda me adaptei à picaretice geral da casa. É bem verdade que a ECO jogou luzes em uns autores aqui, uns cineastas ali e me derrubou certas barreiras do pensamento para que eu pudesse ter outros menos preconceituosos. O jogo de luzes me estimulou a direções tão distintas que, em partes, explica-se a minha atual consistência difusa. Uma característica predominante na maior parte da classe jornalística.

Na sexta-feira retrasada, nas incursões jornalísticas pelos confins cariocas, fui parar em um sebo em Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio. Por uma bagatela, saí de lá com "Idade da Razão", do Sartre, e "História da sexualidade", do Foucault. Comecei por Sartre. E, depois de um vôo da galinha, parei. Os primeiros capítulos eram naturalmente instigantes. Mas tanto Sartre, como os ensinamentos maquiavélicos ao jovem príncipe (minhas leituras simultâneas da última semana), ficaram e ficarão forçosamente separados de mim pelo espaço entre a cama e a cômoda.

Lembro do Cazuza, perto da morte, dizendo "As pessoas esquecem o que precisam fazer. Eu não posso me dar a esse luxo. Faço tudo caber nos meus próximos poucos dias. Todas as idéias que eu teria (...). Eu fiquei aqui, tentando agarrar o que eu puder. (...) Sinto que estou reunindo as minhas coisinhas, me concentrando. Se eu pudesse guardava tudo numa garrafa e bebia de uma vez. Penso no que vai ficar de mim. Eu só sei insitir".

Relendo os dois últimos parágrafos, percebo que a crítica insistente de amigos pacientes em relação aos meus textos é estimulada por esta aparente falta de nexo causal. E, também com insistência, rebato que não quero ser didática, "isso empobrece o texto, oras". Tentarei ser, só desta vez. A difusão mental proporcionada por uma formação esquizofrênica, explicitadas nessa vontade sem igual de "querer tudo ao mesmo tempo agora", de Maquiavel a Sartre, de Bergman a Almodóvar, de Chico Buarque a Jonnhy Cash, de Portinari a Roy Lichenstein; e a agenda social permanente, como se uma página de fim de semana, arrancada na marra, decretasse o fim do mundo... Isso tudo, talvez, me faça esquecer do que preciso fazer, como disse Cazuza. Se eu pudesse, realmente colocava tudo numa garrafa e bebia de uma vez só. E, de alguma forma, é necessário decretar, temporariamente, a morte de certas variáveis difusas, para que se possa reunir "as coisinhas" e conferir se, juntas, provam que o todo realmente é maior do que as partes.

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