- Sobre o que é o roteiro?
- Um casal que está numa estrada...
- Um casal?! (Um tom mais alto)
- É... (Pausa) Eles têm um conflito ao longo da viagem. A mulher acha que ele deseja que ela seja outra coisa, começa a agir de forma diferente. No início, ele curte, entra no clima. Mas depois fica encanado, pensando que ela havia sido até ali uma falsa. Os dois...
- Por favor! Não agüento mais histórias sobre relacionamentos.
Entre um chope e outro, garçons para lá e para cá, alguém comenta do trabalho, outro do tempo que virou, um terceiro sobre um disparate do vizinho milico, volta ao primeiro que lembra de uma história curta envolvendo os presentes, eles riem, a graça passa, ninguém está bêbado ainda, parece que não ficarão nesta noite, aí alguém, meio sem jeito, toca num assunto maior que qualquer clichê sobre trabalho, tempo e nostalgia juvenil. Relacionamentos. Minutos iniciais reservados à negação, relacionamentos aniquilam bons momentos da vida, não se pode pensar em paz, beber com os amigos, sair sem avisar, mudar de idéia sem ser questionado “Você não era assim antes...”. Quantos anos perdidos e pessoas e festas e sacadas geniais sobre a vida – tudo isso trocado pela necessidade sub-humana (sim, porque a humanidade pode mais!) de fazer alguém caber no ‘seu’ sonho até descobrir que “calma aí, de quem é esta merda de sonho?”
Mas alguém desliza melancolicamente o dedo indicador na borda do copo, olha para a espuma do chope, faz cara de quem se incomoda com alguma coisa escondida. De repente, todos se incomodam, querem falar, mastigam o passado, esperam que o futuro venha de alguma forma bem previsível para preencher determinadas expectativas. “Alguém para emprestar a escova de dente”, “Mas isso não é anti-higiênico?”, “Fazer e levar crianças para ouvir histórias na pracinha da Flip”, “Quem sabe passar o fim de semana em casa, ouvi dizer que isso é divertido a dois”, “Que pobreza imaginativa...” etc. Fase de maturação.
Há ainda quem cultue a negativa. Em rodas de amigos, são os sujeitos rapidamente catalogados como os adultos que não cresceram – típicos das séries americanas de televisão. Mas nem sempre o fundo disso tudo são risadinhas artificiais de um auditório invisível. Inábeis à intimidade humana ou inadaptados ao cativeiro de emoções fáceis? Alguns, talvez, sejam o que restou da raça de ultra-românticos. Uma horda de radicais do sentimento puro, capazes de negar simulacros made in China por aí. Apaixonar-se deveria ser, para eles, idéia tão obscura como a poeira cósmica que vaga pelo espaço. Se um dia esbarrar com ela, “Óhhhhhhh, poeira cósmica!”, o chão tremerá abaixo dos seus pés – isto é, se houver chão. Mas não se sabe, não se viu e nenhum registro dos sobreviventes é real o suficiente para se fiar. Os xiitas dos relacionamentos odeiam o déjà vu, a mínima possibilidade de reviver o que já foi vivido – por ele próprio ou por seus antecessores. Eles só querem mesmo saber até onde iriam com alguém – não importa se de Palio Weekend tamanho família ou carona na boléia de um caminhão.
05 November 2006
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment