“Levantem as mãos os que pertencem ao Country Club!”, gritou Frascisco Árias Cárdenas, major destacado a conter os tumultos na capital venezuelana em pleno Caracazo, no tumultuado fevereiro de 1989. Soldados rasos, jovens e despreparados, descarregavam suas armas contra a população indignada, que tomara espontaneamente as ruas de Caracas, sem liderança e sem controle, para protestar contra o acordo recém-firmado pelo então presidente Carlos Andrés Pérez com o Fundo Monetário Internacional. A medida representava uma série de políticas impopulares planejadas para compensar as crises cíclicas do petróleo e tinha como efeito colateral a degradação, ainda mais acentuada, das condições de vida da maior parte da população. Ao ouvirem a frase do major, desconcertados, os militares cessaram fogo, com o embaraçado de quem não sabe quem é ou o que faz. Na ausência de representantes do Country Club, a Venezuela deu início à busca por si mesma.
(Segue)
...
No meu penúltimo dia em Caracas, despejei na cama do hotel barato um acúmulo de papéis amassados com frases soltas, telefones e endereços, perguntas e mais perguntas, falas de desconhecidos, palavras de ordem e de muros. Trechos do que formaria minha obra final sobre a minha breve história dentro de uma História maior. Voltando ao Brasil, o que era quase palpável às mãos e crível ao olhar inequívoco sobre uma realidade consumada perdeu-se. Não para mim, nunca. Mas perdeu-se nos rostos impávidos, na descrença padrão que encontrei. Numa apatia que eu mesma estava há um longo mês sem presenciar. Então fui me recolhendo, resguardando meus pedacinhos de memória dos outros e, em algum momento, até de mim mesma. Precisava preservá-los da facilidade em deixá-los para trás, em me desvencilhar de tantas palpitações.
Nesta madrugada, remexendo textos arquivados, encontrei duas páginas derramadas no calor caraquenho. O primeiro parágrafo está acima. Um ano antes de desembarcar de ônibus na periferia de Caracas, já lia tudo o que se publicava sobre o assunto. Lia, confusa. Depois, lia e suspeitava. Não sei bem em que momento tomei o tema como meu. Mas lembro da cena descrita neste primeiro parágrafo, foi o início de tudo, pensei na hora. Muito antes de Chávez. E há um pensamento do Apolonio de Carvalho que ilustra esta minha convicção:
"A minha namorada [Renée] insiste muito que eu sou um otimista barato, mas acho que é preciso olhar com otimismo - sem receio de parecer demasiado otimista - como os níveis de consciência popular se revelam através de manifestações próprias, através do apoio e do estímulo às reações positivas dentro e fora do Parlamento", afirmou Apolonio, que morreu em setembro do ano passado, aos 93 anos. (Renée foi sua mulher desde a Resistência Francesa, em que lutou, durante a Segunda Guerra Mundial).
O que muitos não entendem, e eu mesma cansei de explicar, é que Hugo Chávez tornou-se um alvo fácil de bater, mas não é ele o olho do furacão. Há uma conjuntura iniciada anos antes de seu surgimento. Talvez uma única pessoa tenha entendido a minha euforia na volta, pois esteve na Nicarágua após a Revolução Sandinista, década de 80. A descrição se assemelha (guardadas as proporções sobre o efeito de uma guerra) ao que vi: "Havia montanhas de lixo pela cidade e uma miséria sem igual. Mas todos estavam mobilizados, em um clima de renascimento e de solidariedade". A "revolução" assumiu uma conotação piegas, brega, chata. Ou então revolve um passado de derramamento de sangue por "causas nobres". Não. Revolução é o estado de espírito da população. E foi o que vi para crer.
26 August 2006
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1 comment:
quando dizem que na politica eh assim mesmo, que voce tem que ver os interesses, nao da pra agradar todo mundo etc... eu digo que a intecionalidade se basta, se o que voce acha certo eh o que voce defende, entao as coisas caminham. Achar que eh assim porque eh o natural eh a resignada e idiota mania atual, e o diferente eh preconceituado como algo sem sentido, e talvez perigoso.
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