25 August 2006

Todo menino é um rei (Parte II)

Século passado tudo era mais simples. Uma boa mulher para casar, boa dona-de-casa, fértil para dar filhos, que por sua vez carregarão meu sobrenome. Essa mulher surgiria na festa de minha formatura, casaríamos na igreja dos pais dela e passaríamos a lua-de-mel em Poços de Caldas. Arranjaria um bom emprego para sustentar a nova família. Compraria uma casa num bom bairro de classe-média, um carro espaçoso para acomodar as crianças e as bagagens para quando saíssemos de férias, as inovações modernas de bens de consumo e juntaria ainda um bocadinho para construir aquela pocilga na Região dos Lagos para os feriados e tempos de festa. Sem histórias de amor, princesas francesas, duelos mortais, reviravoltas dramáticas. Essas coisas não existem mesmo.

Uma vez acreditei que sim. Eu tinha quase a idade que eu tenho. Era meu arqui-inimigo, maléfico, pegava a princesa que eu amava com papos sobre Marx (os irmãos, não Karl), Fellini (as coisas chatas, não as sacanagens), galanteios do século 19 e aquela cara de cara de comercial de pasta de dente. Ah, droga, mas não duelamos, conversamos. Foi patético.

A princesa não correu para os meus braços, chorou daquilo tudo. Não a conquistei numa festa de máscaras no castelo, foi em Jacarepaguá. Não fomos para o castelo, o salário não pagava nem uma quitinete. Não vivemos felizes para sempre, a princesa me chutou meses depois. Aí eu entendi.

Entendi que não existem príncipes maníaco-depressivos, um pouquinho individualistas, um tanto arrogantes, crianças que se mostram auto-suficientes, que torram seus salários em cerveja e se divertem com sarcasmo, rock e... cerveja. Ok. A partir de agora deixarei tele-mensagens, irei passear no shopping no Dia dos Namorados e depois vou esperar pacientemente uma hora dentro do carro na fila de um motel barato. Vou também nas festas da família, farei “festinha” no cachorro, ligarei para perguntar como é que foi o dia. Farei cara de puto para os seus amigos, direi te amo 20 vezes todo dia e darei o antebraço como apoio.

Bah. Mas nada como correr atrás do airbus da Gol gritando: “Me perdoa, fiz merda, volta, eu te amo”. Ou fazer uma serenata tocando o solo de Moby-Dick embaixo da janela dela, que ouviria tudo com as mãos entrelaçadas suportando o rosto. Talvez chamá-la para todo dia tomar Guiness? Discutir coisas do tipo: Amor, não concordo com trabalho, mas quem é que vai pagar as contas? Ou outros problemas que podem surgir do tipo “aluguei um filme romântico” e aparecer com a fita do Alladin. Convencer de... por trás. (Por que não?) Não entendo...

Ah. Mas só quero uma mulher fértil. Farei um exército de mim´s, doutrinarei cultura pop, marcharei sobre Londres, cercando a cidade com arame farpado. Não... Lá dentro tem que estar minha princesa. Ela não precisa ser bonita, mas também não precisa ser feia, pode ser normalzinha. Pode ser daquelas que ficam no canto observando tudo com o maior cinismo ou aquelas que todo mundo junta em volta de tão agradável que é. Só precisa ser autêntica. Pode falar coisas do tipo: “dô toda hora bucetada no poste”, mas que também diga coisas inteligentes e bonitinhas. Não importa se bebe ou fuma, desde que se depile. Que não seja tão presente, mas que também não seja ausente. Que tenha defeitos, mas não muitos e que (preferencialmente) eu goste deles.

Pode até rir de mim, me criticar, sacanear o meu nariz, mas tem que saber o limite para não baixar muito a minha auto-estima. Veja coisas que eu vejo, escute coisas que eu ouço, leia o que eu leio. Não precisa gostar. Que ao menos conheça. Que me permita ter e conceder certas liberdades (mas tenha certeza que a gente é pra sempre. Sempre enquanto dure, o que é indeterminável). E que só diga que ama poucas vezes. Mas naquelas que sente que deve e preserva a pureza disso.

*O autor do texto está exposto nestas linhas e não no nome e sobrenome abaixo delas. O título é homenagem minha a ele.

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